quinta-feira, 15 de outubro de 2009

"Meu nome é Caio F.
Moro no segundo andar, mas nunca encontrei você na escada.

Preciso de alguém, e é tão urgente o que digo. Perdoem excessivas, obscenas carências, pieguices, subjetivismos, mas preciso tanto e tanto. Perdoem a bandeira desfraldada, mas é assim que as coisas são-estão dentro-fora de mim: secas. Tão só nesta hora tardia - eu, patético detrito pós-moderno com resquícios de wether e farrapos de versos de Jim Morrison, Abaporu heavy-metal -, só sei falar dessas ausências que ressecam as palmas das maõs de carícias não dadas.
Preciso de alguém que tenha ouvidos para ouvir, porque são tantas histórias a contar. Que tenha boca para, porque são tantas histórias para ouvir, meu amor. E um grande silêncio desnecessário de palavras. Para ficar ao lado, cúmplice, dividindo o astral, o ritmo, a over, a libido, a percepção da terra, do ar, do fogo, da água, nesta saudável vontade insana de viver. Preciso de alguém que eu possa estender a mão devagar sobre a mesa para tocar a mão quente do outro lado e sentir um resposta como - eu estou aqui, eu te toco também. Sou o bicho humano que habita a concha ao lado da concha que você habita, e da qual te salvo, meu amor, apenas porque te estendo minha mão. (...)
Tenho urgência de ti, meu amor. Para me salvar da lama movediça de mim mesmo. Para me tocar, e no toque me salvar. Preciso ter certeza que inventar nosso encontro sempre foi pura intuição, não mera loucura. Ah, imenso amor desconhecido. Para não morrer de sede, preciso de você agora, antes destas palavras todas caírem no abismo dos jornais não lidos ou jogados sem piedade no lixo. Do sonho, do engano, da possível treva e também da luz, do jogo, do embuste: preciso de você para dizer eu te amo outra e outra vez. Como se fosse possível, como se fosse verdade, como se fosse ontem e amanhã."
Caio Fernando Abreu - Crônica publicada no "Estadão" Caderno 2 de 29/07/87



"Para falar a verdade, nunca estive tão bem. Por quê? Não quero saber por quê."
Clarice Lispector

6 comentários:

  1. O que eu,simples,posso dizer mesmo? GENIAL,GENIAL!
    É incrivel essa capacidade que o Caio e Clarisse tem de falar tudo o que sentimos,cada um no seu estilo é claro,mas tão profundamente que chega a me assustar!

    Rodolpho,parabéns mais uma vez !

    e estou esperando um texto de sua autoria por aqui!
    ^^

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  2. Tá, nem preciso falar naada, porque acabei de desligar o telefone com você e, só você sabe da minha situação.

    =)

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  3. Oi Rodolpho!!
    Obrigada pela visita e o comentario carinhoso =)
    Eu bem gostaria de postar mais vzs, acho ate que demoro um tantinho,rss...alguns autores dos poemas que posto la, são desconhecidos pra mim tb. Mas tem uns poemas que não tem como deixar passar.
    Adoro Caio F. Na verdade, comecei a procurar saber mais sobre ele este ano e quanto mais leio, mais me interesso e me apaixono.
    Uma ótima semana pra vc!!! Apareça mais!!! =)
    bjs

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  4. "Tenho urgência de ti, meu amor. Para me salvar da lama movediça de mim mesmo. Para me tocar, e no toque me salvar. Preciso ter certeza que inventar nosso encontro sempre foi pura intuição, não mera loucura. Ah, imenso amor desconhecido. Para não morrer de sede, preciso de você agora, antes destas palavras todas caírem no abismo dos jornais não lidos ou jogados sem piedade no lixo. Do sonho, do engano, da possível treva e também da luz, do jogo, do embuste: preciso de você para dizer eu te amo outra e outra vez. Como se fosse possível, como se fosse verdade, como se fosse ontem e amanhã."

    Me identifiquei, ainda mais com aquele nosso papo, Rodolpho.

    Belo texto. Agora, só falta os seus, né. rs

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  5. ah que lindo o texto do Caio F. adorei demais
    continuem postando que eu não vivo sem passar aqui=)

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É para você que escrevo, é para você.