domingo, 12 de setembro de 2010

A falta que ama


Carlos Drummond de Andrade

Entre areia, sol e grama

o que se esquiva se dá,

enquanto a falta que ama

procura alguém que não há.

Está coberto de terra,

forrado de esquecimento.

Onde a vista mais se aferra,

a dália é toda cimento.

A transparência da hora

corrói ângulos obscuros:

cantiga que não implora

nem ri, patinando muros.

Já nem se escuta a poeira

que o gesto espalha no chão.

A vida conta-se inteira,

em letras de conclusão.

Por que é que revoa à toa

o pensamento, na luz?

E por que nunca se escoa

o tempo, chaga sem pus?

O inseto petrificado

na concha ardente do dia

une o tédio do passado

a uma futura energia.

No solo vira semente?

Vai tudo recomeçar?

É falta ou ele que sente

o sonho do verbo amar?

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