segunda-feira, 1 de junho de 2009

A Volta ao Natural — Trecho

"Pois no Rio tinha um lugar com uma lareira. E quando ela percebeu que, além do frio, chovia nas árvores, não pôde acreditar que tanto lhe fosse dado. O acordo do mundo com aquilo que ela nem sequer sabia que precisava como uma fome. Chovia, chovia. O fogo aceso pisca para ela e para o homem. Ele, o homem, se ocupa do que ela nem sequer lhe agradece: ele atiça o fogo na lareira, o que não lhe é senão dever de nascimento. E ela — que é sempre inquieta, fazedora de coisas e experimentadora de curiosidades —, pois ela nem se lembra sequer de atiçar o fogo: não é seu papel, pois tem o seu homem para isso. Não sendo donzela, que o homem então cumpra a sua missão. O mais que ela faz é às vezes instigá-lo: "aquela acha", diz-lhe, "aquela ainda não pegou". E ele, um instante antes que ela acabe a frase que o esclareceria, ele, por ele mesmo já notara a acha, homem seu que é, e já está atiçando a acha. Não a comando seu, que é a mulher de um homem e que perderia seu estado se lhe desse ordem. A outra mão dele, a livre, está ao alcance dela. Ela sabe, e não a toma. Quer a mão dele, sabe que quer, e não a toma. Tem exatamente o que precisa: poder ter.
Ah, e dizer que isso tudo vai acabar! que por si mesmo não pode durar. Não, ela não está se referindo ao fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar. Encarniça-se então sobre o momento, come-lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja. Então, ela que sabe que tudo vai acabar pega a mão livre do homem e, ao prendê-la nas suas, ela doce arde, arde, flameja." [Clarice Lispector]



Não, ela não era tola. Mas como quem não desiste de anjos, fadas, cegonhas com bebês, ilhas gregas e happy ends cinderelescos, ela queria acreditar. Até a noite súbita em que não conseguiu mais. — Caio Fernando Abreu

2 comentários:

  1. é bom ter você por aqui, :)
    tô seguindo, beijo.

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  2. Fico voando lendo Clarice (y)'
    Achei livros dela(muitos =)) pra download,morradeinveja-q

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É para você que escrevo, é para você.