domingo, 31 de janeiro de 2010

Nos últimos dias, isto é, ontem, a tristeza começou a ceder terreno a uma espécie de — digamos — abnegação. Durmo, acordo, faço coisas, leio muito. E esse vazio que ninguém dá jeito? Você guarda no bolso, olha o céu, suspira, vai a um cinema, essas coisas. E tudo, e tudo, e tudo.


Caio Fernando Abreu











sábado, 23 de janeiro de 2010

Replay de pessoa, mesmo que doa.

Seco e árido. Embora tenha chovido esses dias, existe alguma coisa pesada, arrastada e com sede. Sede que água não mata. E acorda e ri e finge que vive (e chora). E acorda e se ilude que vive e faz rir e rir (e chora). Repete o que paulatinamente ensinaram para repetir. Dores? Repetidas. Felicidades mentirosas? Repetidas. Repetidas? Repetidas. E fingir surpresa? o que mais se repete.

Ser pessoa cansa. Ou será que achar ser pessoa de verdade é o que realmente cansa? Repetidas de novo. A mentira é exaustiva. E a verdade um fardo pesado de mais para ser suportada por muito tempo. A linha tênue que ninguém segue. Excesso. Sobras. Pessoa? Desequilíbrio.

O entusiasmo das capas de jornais. Passam da validade, mas há novas edições todos os dias. Recompondo-se verdades e mentiras. As palavras que não se afastam muito do tema que se chama vida. Vida? verdadeira-mentirosa.

Sorrisos forjados. Pega-se emprestado a dor do vizinho. Devolve-se? É claro! É proibido doer, só às escuras. Doer sozinho. Compreensão é palavra camuflada com outros sentidos. Se utilizada em seu real significado extrapola-se a linha tênue. Desequilíbrio? Pessoa. Alegrias roubadas e fingidas. Mentirosas. Ah, verdade e mentira, não se afastem muito da vida! Teriam-se outras palavras para encobrir falhas, justificativas, enigmas? Sinônimos, é claro!

Encenando e improvisando. Aproximando-se do que é ser pessoa. Ou afastando-se, muito possível também. E aos que ficam em cima do muro da linha, sentem e aguardem: serão catalogados logo logo. Se é mentira ou verdade? É humano, é pessoa.


cuspidas dia 22 de janeiro/2010, às 23hrs.





Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida.
Mas tenho medo do
que é novo e tenho medo de viver o que não entendo quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.


Clarice Lispector

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

quando Deus quer penetrar uma alma, abandona-a antes completamente.

Não fazer nada pode ser ainda a solução.
Iam confundir isto com suicídio mas é mera coincidência. Tem
sentido correr tanto atrás da felicidade, será que basta ser feliz?
Será que ser feliz é um estado de tolerância?



Quase não sei o que sinto, se na verdade sinto. O que não existe
passa a existir ao receber um nome. Eu escrevo para fazer existir e para
existir-me. Desde criança procuro o sopro da palavra que dá vida aos
sussurros. Só não me tornei um verdadeiro escritor porque me perco
demais entre as vidas e minha vida. E porque também preciso pôr ordem
na minha vida, nesse caos de que é feita esta vida grave e inassimilável.
Não consigo me associar à minha vida.

Clarice Lispector

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Cocktail Party

Não tenho vergonha de dizer que estou triste,
Não dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez de se matarem, fazem poemas:
Estou triste por que vocês são burros e feios
E não morrem nunca…
Minha alma assenta-se no cordão da calçada
E chora,
Olhando as poças barrentas que a chuva deixou.
Eu sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês uns amores.
Na minha cara há um vasto sorriso pintado a vermelhão.
E trocamos brindes,
Acreditamos em tudo o que vem nos jornais.
Somos democratas e escravocratas.
Nossas almas? Sei lá!
Mas como são belos os filmes coloridos!
(Ainda mais os de assuntos bíblicos…)
Desce o crepúsculo
E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se em todas as poças
d’água,
Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!

Mario Quintana



"O que eu era antes não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.

Não sei o que fazer da aterradora liberdade que pode me destruir. Mas enquanto eu estava presa, estava contente? Ou havia, e havia, aquela coisa sonsa e inquieta em minha feliz rotina de prisioneira? Ou havia, e havia, aquela coisa latejando, a que eu estava tão habituada que pensava que latejar era ser uma pessoa. É? Também , também.

Fico tão assustada quando percebo que durante horas perdi minha formação humana. Não sei se terei uma outra para substituir a perdida."



Clarice Lispector - A Paixão Segundo G.H.