terça-feira, 18 de agosto de 2009

Lua


- Escute-me, amigo, a lua está alta no céu. Você não tem medo? O desamparo da natureza. Esse luar, pense bem, esse luar mais branco que o rosto de um morto, tão distante e silencioso, esse luar assistiu aos gritos dos primeiros monstros sobre a terra, velou sobre as águas apaziguadas dos dilúvios e das enchentes, iluminou séculos de noites e apagou-se em seculares madrugadas... Pense, meu amigo, esse luar será o mesmo espectro tranquilo quando não mais existirem as marcas dos netos dos seus bisnetos. Humilhe-se diante dele. Você apareceu um instante e ele é sempre. Não sofre, amigo? Eu... por mim não suporto. Dói-me aqui, no centro do coração, ter que morrer um dia e, milhares de séculos depois, indiferenciado em húmus, sem olhos para o resto da eternidade, eu, EU, sem olhos para o resto da eternidade... e a lua indiferente e triunfante, mãos pálidas estendidas sobre novos homens, novas coisas, outros seres. E eu Morto! Pense amigo, Agora mesmo ela está sobre o cemitério também. O cemitério, lá onde dormem todos os que foram e nunca mais serão. Lá, onde o menor sussurro arrepia um vivo de terror e onde a tranquilidade das estrelas amordaça nossos gritos e estarrece nossos olhos. Lá, onde não se tem lágrimas nem pensamentos que exprimam a profunda miséria de acabar.

( Clarice Lispector )


/thatilane

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Mergulho II

"Na primeira noite, ele sonhou que o navio começara a afundar. As pessoas corriam desorientadas de um lado para o outro no tombadilho, sem lhe dar atenção. Finalmente conseguiu segurar o braço de um marinheiro e disse que não sabia nadar. O marinheiro olhou bem para ele antes de responder, sacudindo os ombros: "Ou você aprende ou morre." Acordou quando a água chegava a seus tornozelos.
Na segunda noite, ele sonhou que o navio continuava afundando. As pessoas corriam de outro para um lado, e depois o braço, e depois o olhar, o marinheiro repetindo que ou ele aprendia a nadar ou morria. Quando a água alcançava quase a sua cintura, ele pensou que talvez pudesse aprender a nadar. Mas acordou antes de descobrir.
Na terceira noite, o navio afundou.
(Caio Fernando Abreu - Pedras de Calcutá)




"O Céu tão azul lá fora, e aquele mal-estar aqui dentro."